[Diário de Bordo] O que vemos na noite da Guaicurus

Por Felipe Bueno

Janelas do prédio Martini na rua Guaicurus

“A luz vermelha indica que aquele quarto tem uma novinha, ‘brotinho como se dizem’”, diz e aponta para o prédio Martini um funcionário de um shopping ao lado da rua Guaicurus, que não quer ser identificado, mas que nos ajuda com boas informações. Ele nos conta várias outras coisas, mostra-nos o comércio ilegal na rua, os garotos que fazem programas e relata sobre o dia a dia das prostitutas, que ora fazem programa, ora malham, se embelezam e fazem compras.

O homem trabalha há 4 anos no mall, além dos 18 anos de atividade naquela região. Ele conhece todos ali e cumprimenta um a um, na nossa curta caminhada em volta do centro de compras. As histórias são tantas e o entusiasmo é grande. Personagem como ele é difícil de encontrar. Porém, suas palavras não valem de nada sem sua autorização para publicá-las, sem um registro fotográfico e sem seu nome completo. A não ser para compor a narrativa das impressões e experiências que aqui relato no Diário de Bordo.

Chega dar um nó na cabeça. Tanta disposição tem o homem para nos contar sobre tudo o que acontece na rua Guaicurus. Já havíamos o encontrado em outra ida ao campo, e na ocasião, ele nos contou também muitos casos interessantes que renderiam ótimas reportagens. Como desse mato não sai cachorro, eu, acompanhado da minha parceira no blog, Lailiane Freitas, fui em busca de outras pautas. Andamos por toda extensão da rua. Vai e volta, vai e volta. Essa era a externação no nosso medo, ficávamos transitando de lá pra cá. Tomamos coragem, despimo-nos dos nossos preconceitos e entramos em uma igreja protestante – ambiente que destoa do resto, por julgar como pecado o que ocorre na rua.

Entrada do prédio Martini, local onde funciona o Hotel Cristal

Identifico como altar, a partir das minhas referências culturais-religiosas, o local onde pessoas em roda, de braços estendidos sobres os ombros uns dos outros, faziam orações. Meu olho mira esse espaço. Penso que ali seja o lugar de onde nascerá a minha reportagem. Mas o começo de quase tudo na vida implica questões burocráticas. Primeiro procuro alguém responsável. Abordo uma fiel. Apesar de um pouco estranha e grávida, a mulher nos dirige a um local onde poderíamos conseguir informações.

Atônito ainda com tudo o que vi na rua Guaicurus, eu não sei quem era e qual importância tinha a segunda mulher, a que nos deu várias informações para que conseguíssemos marcar um horário com o pastor. Só consigo me  lembrar dela, atrás de uma grade azul e dizendo, “volte amanhã. O pastor estará aqui. Ele poderá te responder tudo isso que você tá perguntando”. Era uma senhora. Por conta das rugas e cabelo branco aparentava ser idosa. Despedimo-nos dela.

Ainda não satisfeitos, fomos em busca de algo mais. Saímos da igreja contentes com a ideia de entrevistarmos o pastor. Pauta guardada na gaveta para retirar outra. Agora encontrávamo-nos na porta de um desses cines pornô. Idenficamo-nos. A conversa não rendeu muito. O homem da bilheteria pediu para que voltássemos em outro horário. “Voltem às 14 horas”, sugeriu ele. “Nesse horário costumam ter duas pessoas aqui”, explica ele sobre a dificuldade em dar a entrevista e cuidar do negócio ao mesmo tempo.

Motivados pela ideia de encontrar outros cines, andamos mais um pouco. Os passos eram largos e apressados. Uma discussão de mendigos começa. Passamos e somos notados. Um dos moradores de rua se dirige verbalmente à minha colega, “oi moça”.  Saltamos da calçada para rua. Temos impressão que em meio aos carros estaríamos um pouco mais seguros. O que, de fato, não é verdade. O cheiro da maconha é forte a cada pedaço, a cada quarteirão que andamos. Seguimos.

Poucos metros antes da nossa última tentativa de entrevista nos deparamos com manchas de sangue na rua. Aponto os dedos para o chão para mostrar os respingos a Lailiane. Começo a falar sobre isso. Mas logo engulo o minhas palavras. Estávamos exatamente em frente de outro cinema pornô. O local onde ia fazer uma matéria. Já havíamos passado antes no local e nos apresentado. O senhor da bilheteria pediu-me para voltar mais tarde, pois no horário em que passei, por volta das 19 horas, o movimento era intenso. Mal podia ele me dar atenção. O que não me impediu de fazer umas fotos, é claro, com a autorização do bilheteiro.

Ele, durante a entrevista, nos contou casos interessantes. Quis saber sobre a vida dele. Achei inusitado o fato de ele trabalhar como segurança de dois cinemas, um na decadente rua, local de prostituição e drogas e, outro num dos únicos cinemas cults de Belo Horizonte. Não bastava a entrevista, tínhamos também que explorar o lugar. Ele nos conduziu até dentro da sala de cinema. Minha colega estranhou não ter ali cabines e sim uma única tela gigante, feito aquelas dos cinemas comuns. Estava sendo exibido um filme no momento. Isso não nos causou constrangimento, nem muito menos repulsa. Já de partida e crente de que nada mais encontraria ali naquela noite, vejo um homem despir-se. Ele começa a urinar sobre a calçada. Não dou muita atenção aos fatos. Vou embora.

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